Seminário em Brasília discute papel do poder público
na proteção à infância frente aos apelos do mercado
Nesta
quinta-feira (9), a partir das 9h, a Câmara dos Deputados, em Brasília, realiza
o “1º Seminário Infância Livre de Consumismo – Por uma
proteção legislativa da criança frente aos apelos mercadológicos”. O evento,
proposto pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), contará
com a presença de parlamentares, autoridades governamentais, representantes de
organizações da sociedade civil e acadêmicos que deverão debater a proteção
especial e integral da infância frente aos apelos de consumo, a publicidade de
alimentos direcionada ao público infantil e a publicidade infantil e a liberdade
de expressão.
Para a
diretora de Defesa e Futuro do Instituto Alana, Isabella Henriques, que
participará de umas das mesas temáticas do evento, a publicidade direcionada
para crianças é antiética, uma vez que fala com um público que ainda não está
preparado para receber mensagens comerciais de forma crítica e consciente. “A
maior parte das crianças só consegue entender plenamente o caráter persuasivo da
publicidade aos 12 anos. Portanto, as crianças nunca devem ser alvo de
publicidade. Elas precisam ser protegidas e aprender a lidar com o consumo
sempre com a mediação de adultos”, comenta Henriques.
Segundo a
diretora, a falta de capacidade de filtrar criticamente o conteúdo publicitário
pode fazer com que as crianças cresçam acreditando que para ser aceito
socialmente é preciso consumir, o que pode gerar desgastes na relação familiar,
uma vez que muitas famílias não têm condição de oferecer a seus filhos os
produtos que são anunciados nos comerciais voltados para o público infantil.
Além disso, outros problemas, como a “adultização” da infância, consumo precoce
de álcool e tabaco, diminuição das brincadeiras criativas e aumento do
sedentarismo e da obesidade infantil são citados como problemas que podem ser
gerados pela exposição excessivas das crianças a
propagandas.
Henriques
ressalta ainda que o Código de Defesa do Consumidor determina que a publicidade
não pode se aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da criança
para estimular o consumo, sob pena de ser considerada abusiva e ilegal. “Se toda
criança está em fase de desenvolvimento e, por isso, é mais vulnerável que o
adulto, juridicamente é válido interpretar que a publicidade voltada ao público
infantil é abusiva. Assim, nós entendemos que não se deve direcionar nenhum tipo
de comunicação mercadológica para o público menor de 12 anos”,
explica.
A
realização do Seminário, na avaliação da diretora do Instituto Alana, mostra a
preocupação do poder público em discutir as questões da proteção à infância
frente aos apelos do consumo. Henriques adianta que no dia do seminário será
entregue à vice-presidente do Senado, Marta Suplicy, uma moção aprovada durante
a 9ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada
mês passado, para que o Congresso Nacional regule a publicidade dirigida ao
público infantil.
Desde
2001 tramita no Congresso o projeto de autoria do deputado federal Luiz Carlos
Hauly (PSDB-PR) que pretende proibir a publicidade infantil. A matéria está
atualmente na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. O
relator da proposta, deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP), deve apresentar seu
parecer em agosto.
A medida
é defendida por diversas entidades ligadas à defesa dos direitos da criança e do
adolescente, parlamentares e pesquisadores, que não acreditam na eficácia do
atual sistema de autorregulamentação publicitário. Para Ana Claudia Bessa, mãe
integrante do Coletivo Infância Livre de Consumismo, que também participará de
uma das mesas do evento, os defensores da publicidade infantil jogam a
responsabilidade desse controle para os pais, afirmando que basta desligar a TV
para evitar, caso desejem, o excesso de anúncios aos quais as crianças são
submetidas. “Os pais precisam fazer a sua parte sempre, reduzindo o tempo de
exposição das crianças à televisão e informando-as. Mas eles não são os únicos
responsáveis. Precisamos que o Estado regulamente rigorosamente a publicidade e
que as empresas anunciantes e agências sejam responsabilizadas pelos produtos e
propagandas abusivos, enganosos e que causam danos às crianças”,
afirma.
O Coletivo Infância Livre do Consumismo, formado
por pais, mães e cidadãos inconformados com a publicidade dirigida às crianças,
nasceu em março deste ano diante da indignação gerada pela campanha “Somos Todos
Responsáveis”, da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), que,
para o grupo, foi totalmente parcial, na medida em que defendia apenas os
interesses dos anunciantes e tentava culpar os pais, colocando-os como os únicos
responsáveis por controlar a exposição de seus filhos às propagandas abusivas
veiculadas diariamente. Como resposta, esse coletivo passou a defender que, para
cumprir a responsabilidade de educar os filhos para a cidadania e a
sustentabilidade, as famílias precisam do apoio do Estado e da responsabilização
efetiva das empresas privadas, dos veículos de comunicação e das agências de
publicidade que veiculam indiscriminadamente propagandas com conteúdo
manipulatório e inadequado em mídia direcionada às crianças.
Obesidade infantil
De acordo
com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, realizada pelo
IBGE, em 2008, o excesso de peso atingia 33,5% das crianças de cinco a nove
anos, sendo que 16,6% do total de meninos e 11,8% de meninas eram considerados
obesos. Nas últimas três décadas houve um aumento de mais de 200% na incidência
de sobrepeso entre crianças nessa faixa etária.
Em 2009,
uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford demonstrou a relação entre a
publicidade de alimentos não saudáveis com os índices de obesidade infantil nos
EUA. Cientes dessa relação, em 2010 a Organização Mundial da Saúde (OMS)
publicou uma série de recomendações para o combate da obesidade infantil, dentre
elas havia a sugestão da criação de políticas públicas que regulamentassem a
publicidade de alimentos com alto teor calórico e baixo teor nutritivo
direcionada a crianças. Essa medida é adotada por diversos países, como Reino
Unido, Itália, Irlanda, Noruega, Coréia do Sul e Chile.
De acordo
com Elizabetta Recine, professora da Universidade de Brasília e conselheira do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), dados
demonstram que as propagandas desempenham um papel importante na conformação dos
hábitos alimentares das crianças, o que pode causar prejuízos a sua saúde no
futuro. Recine será uma das participantes da mesa temática do Seminário que
tratará da publicidade de alimentos direcionada ao público
infantil.
“Os
produtos anunciados são quase em sua totalidade considerados não saudáveis por
terem alta concentração de gorduras, sal e açúcar. Esses produtos aumentam os
riscos de meninos e meninas desenvolverem obesidade e doenças crônicas, como
alergias alimentares. Além disso, têm aumentado a ocorrência de doenças em
crianças que não são típicas da infância, como a hipertensão”, explica. Para
ela, outro ponto negativo do excesso de publicidade dirigida para crianças é o
empobrecimento da cultura alimentar da população, o que dificulta a adoção de
hábitos alimentares saudáveis por parte desses meninos e meninas na vida
adulta.
A
professora ressalta a importância de o Estado exercer seu papel de proteção da
saúde dos mais vulneráveis, como é o caso das crianças, e diz que a promoção da
alimentação saudável não tem um caminho único e necessita de diversas ações,
dentre elas a regulamentação da publicidade de alimentos não saudáveis dirigida
ao público infantil. “Essa demanda de controle da publicidade é antiga e não
conseguiu vingar até hoje porque perde diante da pressão econômica. Por isso,
eventos como esse são importantes, pois quanto mais ampliarmos essa discussão,
mais informada ficará a sociedade e assim teremos mais chances de uma ação
efetiva para a solução desse problema”, comenta.
O que diz o ECA?
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à
liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de
desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos
na Constituição e nas leis.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos
pessoais.
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