terça-feira, 19 de abril de 2011

Celebrar e festar é preciso


Comunidade Laranjeira Nhanderu, no MS, realiza ritual e celebração em homenagem ao Dia do Índio

Do acampamento Laranjeira Nhanderu, à beira da BR 163, próximo à região de Rio Brilhante, nos vem o convite “nós vamos fazer a festa do dia do índio. Queremos que vocês venham com a gente. Vamos ter jogos, reza e desfile”. Convite irresistível. Apesar das muitas atividades relacionadas ao Abril Indígena, fomos ao acampamento. Chegando, nos deparamos com um lindo cenário de uma passarela entre o asfalto e os ranchos de lona preta. Vários metros de TNT vermelho, tendo em uma das extremidades cor verde e azul, ladeada por enfeites de lã e pedaços de tecidos, presos a um barbante. Dois arcos feitos de folhas de palmeira aninham os adereços da cultura e da luta: mbaraká, cocares, colares, peneira de palha e alguns cartazes com fotos das crianças da comunidade.

Tudo feito com tamanha singeleza, simplicidade e beleza, que a gente é tentado a afirmar que essa é uma das obras da arte criativa, talvez única entre os Kaiowá Guarani do estado, e quiçá de todo o país.

Quando a aldeia desfila a natureza se agita

Desfile ao ar livre. De um lado o vai e vem dos carros, do outro lado uma animada platéia em frente aos barracos. A paisagem alegre, que inclui algumas bananeiras, mandioca e arbustos nativos, também tinha seu contraponto: de um lado o asfalto e do outro o arame farpado.

De repente uma cena inusitada. Surge alguém tendo na cabeça uma miniatura de casa de reza. Era o nhanderu Pedro, com seu tembetá (enfeite labial típico dos Kaiowá), a kurusu (cruz) e o mbaraká. Símbolos fortes e uma reivindicação, que veio a ser a tônica das atividades que culminaram com o solene desfile dos jovens, crianças e adultos, trazendo a miniatura da casa de reza.

A abertura do desfile foi realizada com os nahnderu e nhandesi (líderes religiosos). Foi o desfile da dignidade e altivez de um povo que resiste há séculos de opressão, cuja esperança férrea não os deixa desanimar por mais dura e cruel que seja a realidade a que estão submetidos.

Logo em seguida, depois de abençoado o espaço e a atividade, duas crianças gêmeas, de aproximadamente dois anos, Daniele e Emanuele, netas do líder Zezinho, desfilaram na passarela ao ar livre, esbanjando simpatia e alegria. O mesmo aconteceu na seqüência com o desfile dos adolescentes e depois dos jovens. Com seus rostos pintados, roupas típicas, corpos esbeltos, demonstravam muita autoestima e beleza. Foram cenas quase inimagináveis. Nada semelhante, nos meus 40 anos de vivência com os povos indígenas no Brasil, eu havia presenciado.

Celebrar e festar é preciso

Os motivos do belo e inédito espetáculo ao ar livre foram lidos pelo líder Zezinho no final do desfile. Em um documento, em que a mensagens mal conseguia sair do esconderijo atrás das palavras em português, ele reafirmou a decisão dos Kaiowá Guarani de continuarem mantendo sua cultura. Concretamente é isso que a comunidade estava fazendo ao celebrar seus rituais, de maneira especial, no mês de abril.

Zezinho afirmou que o planeta terra foi abençoado pelos indígenas que nele moram há milhares de anos. E é graças a esta benção ao planeta e ao Brasil, que por aqui não vão acontecer coisas horríveis como estão acontecendo em outras partes do mundo.

A forte mensagem estava expressa em três cartazes, nos quais expressavam os desejos e exigências da comunidade. Todos eles aludem aos perigos porque estão passando diariamente ao lado de uma das rodovias mais movimentadas do país. No texto, eles ainda pedem socorro, ou melhor, a imediata volta às suas terras, suas aldeias: “Nós, mulheres indígenas moradoras nesse acampamento na beira da BR 163, estamos pedimos socorro para retirar tão logo a nossa família daqui, deste lugar de perigos. O nosso lugar sem perigo é somente na área da aldeia dos indígenas”.

No cartaz das crianças, diziam: “Nós, crianças indígenas, o futuro do Brasil, que moramos no acampamento da BR 163, estamos pedimos para sair daqui, porque todos queremos sair daqui enquanto estamos vivos. Esse lugar é bastante perigoso para todos. Por isso, nós estamos pedindo socorro para sair daqui porque queremos a nossa terra”. Os jovens se expressam no mesmo sentido.

Quando o sol foi se pondo, depois de mais de duas horas de celebração e desfile, uma alegria contagiante animava a todos os presentes. “Esse é nosso ritual de vida e despedida”, dizia uma das lideranças.

Por Egon Heck.


 

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