Agência Patrícia Galvão) A aprovação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) de parecer que orienta creches de todo o país a não oferecer atendimento durante o período de férias gerou polêmica sobre a função desse equipamento: trata-se de um serviço público essencial e que, portanto, não deve ter as portas fechadas, ou somente uma unidade educacional sujeita às mesmas regras dos estabelecimentos de ensino brasileiros. Veja as opiniões de especialistas:
Arlene Ricoldi, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e presidente da União de Mulheres de São Paulo - tel. (11) 9411-2007
Não se encara a creche como um serviço essencial
“As creches foram reivindicadas pelos movimentos de mulheres porque elas precisavam trabalhar fora e deixar os filhos em algum lugar. Com o decorrer dessa luta, mudou a perspectiva de que creche era um direito da mulher trabalhadora para a de um direito da criança à educação. Isto foi um grande ganho, mas, em determinado momento, se desfez o elo de que era também um benefício para as famílias. E não se pode perder de vista que a creche é uma política que auxilia a articulação entre o mundo do trabalho e o da família.
As crianças precisam ser atendidas e é fundamental que haja uma forma alternativa para os períodos de férias: esquema de plantão, revezamento de funcionários etc. Caso contrário, a mãe e o pai que trabalham têm de recorrer a parentes, amigos, ou despender um dinheiro extra – que muitas vezes eles não têm - para deixar com terceiros.
Seria excelente se os brasileiros pudessem trabalhar menos, desfrutar de férias com os filhos e ter mais tempo para lazer. Mas essa não é a realidade do país. Ao contrário, o governo está incentivando as pessoas a trabalhar e a produzir mais, e, principalmente, as mulheres a terem mais autonomia. O parecer do CNE prejudica, sobretudo, as mulheres – apesar de a responsabilidade dos filhos ser do casal, a sobrecarga ainda cai mais na mulher. Supõe-se sempre que as mulheres trabalham por opção, para ajudar no orçamento doméstico. O trabalho da mulher como auxílio ao orçamento principal, que seria o do homem, não é mais verdadeiro. Hoje, 35% das famílias são chefiadas por mulheres. Como tradicionalmente a mulher ganha menos do que o homem, a renda dessa família, portanto, é mais baixa. Ao não possibilitar que essa mulher trabalhe livremente, o Estado está contribuindo para que essa renda diminua ainda mais. Não se encara a creche como um serviço essencial por ser um serviço ainda relacionado às necessidades da mulher, segmento não valorizado pelos governantes.”
Fúlvia Rosemberg, pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas e professora titular de Psicologia Social da PUC-SP - tel. (11) 3722-4404
As crianças pequenas também são responsabilidade do Estado
“As creches no país são um direito dos trabalhadores e trabalhadoras estipulado pela Constituição Federal. Como a sociedade não coloca as crianças no topo de suas decisões, o que acaba acontecendo são situações improvisadas. As famílias ficam encontrando soluções paliativas, provisórias, como se fosse uma questão exclusiva da família e não do Estado.
A criança tem todos os direitos de encontrar uma situação adequada para sua vida. Quando se diz: “família, vire-se”, está se dizendo que a criança pequena é uma responsabilidade só privada. Faltam creches, praças, centros culturais para nossas crianças. Não fariam isso com a população adulta. Gostaria de ver o que aconteceria se fechassem, por exemplo, os restaurantes universitários de uma hora para outra.”
Bruno Dias Napolitano, defensor público do Estado de São Paulo
Assessoria de imprensa: (11) 3101-8173 - imprensa@defensoria.sp.gov.br
Parecer afronta o ECA
“Na Constituição Federal, a creche tem dupla finalidade: garantir ao trabalhador que seu filho fique em segurança enquanto ele exerce sua função e garantir à criança, nessa primeira etapa da vida, o desenvolvimento de seu conhecimento. Não se pode descartar nenhuma delas. O parecer do CNE não só ignorou o caráter assistencial, mas foi uma afronta à decisão judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo e ao Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança não pode ser submetida a nenhuma situação de risco da sua integridade física. Quando o governo não cria condições para que os pais possam obter rendimento e reverter bens para os familiares, coloca a criança em risco. Se os pais têm de trabalhar, em contrapartida, os filhos têm de ficar em um lugar seguro, cuidados por profissionais da área. Além disso, o trabalhador é livre e tem o direito de se organizar e tirar férias quando ele quiser e não quando o Estado estipular.”
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