Acabamos de receber a grata notícia de que o "causo do ECA", escrito por Cristina Braga (psicóloga do CENSE Foz do Iguaçu), ganhou o primeiro prêmio na sua categoria... Parabéns, Cristina!!! Que essa estória sirva de motivação para todos aqueles que trabalham pelos direitos de crianças e adolescentes.
Um abraço,
Thiago
Leia abaixo o "causo" vencedor:
É possível, mesmo sem uma “lâmpada do Aladim”
Cristina Silveira Braga
“Sou negro, pobre, preso e gordo; quem é que vai querer dar uma chance para mim?” Esta foi uma frase dita por Breno, durante um atendimento no Centro de Socioeducação de Foz do Iguaçu.
Como psicóloga de adolescentes em conflito com a lei há 12 anos, já ouvi muitas histórias e tenho muitas para contar. Acredito que todas requerem atenção especial e um olhar exclusivo, mas a de Breno merece destaque. Por confirmar a importância do investimento em ações socioeducativas, por surpreender os descrentes, inclusive ele mesmo, por comprovar que é possível e por enfatizar a força do direito constituído no ECA.
No ano de 2007, Breno foi apreendido por homicídio e encaminhado à delegacia de sua cidade, lugar onde começa a possibilidade de uma nova trajetória de vida para ele. Ali mesmo, ele recebeu a visita da mãe da vítima, morta na ocasião por um tiro perdido. Evidentemente, não foi uma conversa fácil para ambos. Todavia, a conversa com aquela mãe foi fundamental para o início das mudanças conquistadas pelo adolescente.
Decretada a medida socioeducativa de internação para a responsabilização do ato, o adolescente foi transferido para o Centro de Socioeducação de Foz do Iguaçu. Breno chegou desacreditando de qualquer possibilidade de um futuro bom, digno. Faltavam-lhe perspectivas e sobravam-lhe histórias de violência vividas e praticadas.
Em certa ocasião, numa tentativa de usar o lúdico como estratégia de atendimento, perguntei a ele quais seriam seus três desejos se tivesse uma “lâmpada do Aladim”. Breno respondeu: “Achar meu pai, ser cozinheiro e comprar uma moto”. Como os desejos poderiam gerar mudanças na sua vida, trabalhamos para que fossem realizados.
Convencida, pela experiência do trabalho, da importância da família no desenvolvimento do ser humano e nas suas transformações, e considerando o desejo de Breno de rever o pai, com quem não tinha contato desde os três anos, esse seria o ponto de partida. A mãe do adolescente havia nos contado que Breno era fruto de uma relação afetiva que ela iniciou, por cartas, com um presidiário, mas que não sabia seu paradeiro atual. Telefonamos para diversos centros de detenção no Paraná, até que obtivemos a informação de que o pai do adolescente fora libertado havia três meses, após o cumprimento de mais de 20 anos de pena. Novas buscas, inúmeros e incansáveis telefonemas até localizarmos uma tia que, comovida, nos forneceu o paradeiro do pai, que estava trabalhando na Bahia. Já no primeiro contato, agendamos uma visita dele para Breno, a qual foi carregada de muita emoção e lágrimas. Vale ressaltar que, sem o trabalho em rede, nada disso seria possível.
Com o direito à convivência familiar garantido, antes de ser colocado em foco seu segundo desejo, a equipe interdisciplinar direcionou o trabalho no despertar das potencialidades e habilidades de Breno. Por meio de ações socioeducativas, buscou-se favorecer o desenvolvimento da autoestima do adolescente, o fortalecimento de suas motivações e a desconstrução da percepção de que ser negro, pobre, preso e gordo não lhe possibilitaria boas oportunidades na vida.
Após um ano, a medida de internação progrediu para a semiliberdade e passamos a trabalhar com Breno sua iniciação profissional, o que possibilitaria renda lícita, melhoria da qualidade de vida e autonomia. Breno continuou os estudos e finalizou cinco cursos profissionalizantes. Entre eles, o de seu maior interesse: gastronomia, pois desejava ser cozinheiro.
Por ter se destacado na turma, o professor do curso de gastronomia o indicou para uma entrevista em um restaurante de renome do shopping da cidade. Sucesso no processo seletivo, Breno, aos 17 anos, conquista seu primeiro emprego com registro em carteira de trabalho. Em poucos meses, vieram as promoções. Estudando e trabalhando, Breno ainda arranjava tempo e motivação para fazer caminhada; estava determinado a emagrecer e assim foi.
Mesmo com os progressos alcançados, Breno sempre relatava seus anseios e seus medos, até mesmo porque estava vivendo de forma diferente: pais presentes, estudo, trabalho, abstinência de drogas, novas escolhas e novos amigos. Ao seu primeiro convite para fazer um roubo, conseguiu dizer “não”, superando suas próprias expectativas.
Em 2009, perto do Natal, Breno solicitou que eu o acompanhasse ao supermercado, pois queria fazer uma compra para doação. Ele disse que, ao conhecer, por acaso, uma casa de recuperação para dependentes químicos em Foz do Iguaçu, ficou comovido ao saber que os internos não tinham família e não teriam ceia de Natal. Afirmando conhecer a tristeza de passar um Natal com fome e sem família, gostaria de oferecer ajuda. Fomos ao mercado e Breno gastou mais da metade de seu salário com doces, bolachas, salames e refrigerantes. Ao fazer a doação, a alegria e o orgulho de Breno eram notórios, o que nos mostrou que, além de ter aprendido novos valores, também soube ensinar lições de cidadania e solidariedade.
O terceiro desejo, o da moto, não foi deixado para trás. Depois de completar 18 anos, Breno foi para a autoescola. Apesar de duas reprovações nos testes do DETRAN, não desistiu. Carteira de motorista em mãos e dinheiro poupado, Breno comprou uma moto, que ficou guardada na própria loja até alcançar sua liberação da semiliberdade.
Em 2010, ao final do cumprimento da medida, Breno pediu demissão para retornar a sua cidade. No entanto, recebeu uma proposta de transferência para uma filial do restaurante, o que permitiu que ele continuasse trabalhando no shopping de seu município.
Em 2011, no último contato telefônico que tivemos, Breno tinha terminado o ensino fundamental, estava trabalhando em dois restaurantes, já havia sido reconhecido como melhor funcionário do mês e tinha recebido convites para trabalhar em outros locais.
Sobre aquela ideia inicial do “negro, pobre, preso e gordo”, ela não existe mais. Breno não tinha uma lâmpada do Aladim, mas tinha um ECA a seu favor.
Como psicóloga de adolescentes em conflito com a lei há 12 anos, já ouvi muitas histórias e tenho muitas para contar. Acredito que todas requerem atenção especial e um olhar exclusivo, mas a de Breno merece destaque. Por confirmar a importância do investimento em ações socioeducativas, por surpreender os descrentes, inclusive ele mesmo, por comprovar que é possível e por enfatizar a força do direito constituído no ECA.
No ano de 2007, Breno foi apreendido por homicídio e encaminhado à delegacia de sua cidade, lugar onde começa a possibilidade de uma nova trajetória de vida para ele. Ali mesmo, ele recebeu a visita da mãe da vítima, morta na ocasião por um tiro perdido. Evidentemente, não foi uma conversa fácil para ambos. Todavia, a conversa com aquela mãe foi fundamental para o início das mudanças conquistadas pelo adolescente.
Decretada a medida socioeducativa de internação para a responsabilização do ato, o adolescente foi transferido para o Centro de Socioeducação de Foz do Iguaçu. Breno chegou desacreditando de qualquer possibilidade de um futuro bom, digno. Faltavam-lhe perspectivas e sobravam-lhe histórias de violência vividas e praticadas.
Em certa ocasião, numa tentativa de usar o lúdico como estratégia de atendimento, perguntei a ele quais seriam seus três desejos se tivesse uma “lâmpada do Aladim”. Breno respondeu: “Achar meu pai, ser cozinheiro e comprar uma moto”. Como os desejos poderiam gerar mudanças na sua vida, trabalhamos para que fossem realizados.
Convencida, pela experiência do trabalho, da importância da família no desenvolvimento do ser humano e nas suas transformações, e considerando o desejo de Breno de rever o pai, com quem não tinha contato desde os três anos, esse seria o ponto de partida. A mãe do adolescente havia nos contado que Breno era fruto de uma relação afetiva que ela iniciou, por cartas, com um presidiário, mas que não sabia seu paradeiro atual. Telefonamos para diversos centros de detenção no Paraná, até que obtivemos a informação de que o pai do adolescente fora libertado havia três meses, após o cumprimento de mais de 20 anos de pena. Novas buscas, inúmeros e incansáveis telefonemas até localizarmos uma tia que, comovida, nos forneceu o paradeiro do pai, que estava trabalhando na Bahia. Já no primeiro contato, agendamos uma visita dele para Breno, a qual foi carregada de muita emoção e lágrimas. Vale ressaltar que, sem o trabalho em rede, nada disso seria possível.
Com o direito à convivência familiar garantido, antes de ser colocado em foco seu segundo desejo, a equipe interdisciplinar direcionou o trabalho no despertar das potencialidades e habilidades de Breno. Por meio de ações socioeducativas, buscou-se favorecer o desenvolvimento da autoestima do adolescente, o fortalecimento de suas motivações e a desconstrução da percepção de que ser negro, pobre, preso e gordo não lhe possibilitaria boas oportunidades na vida.
Após um ano, a medida de internação progrediu para a semiliberdade e passamos a trabalhar com Breno sua iniciação profissional, o que possibilitaria renda lícita, melhoria da qualidade de vida e autonomia. Breno continuou os estudos e finalizou cinco cursos profissionalizantes. Entre eles, o de seu maior interesse: gastronomia, pois desejava ser cozinheiro.
Por ter se destacado na turma, o professor do curso de gastronomia o indicou para uma entrevista em um restaurante de renome do shopping da cidade. Sucesso no processo seletivo, Breno, aos 17 anos, conquista seu primeiro emprego com registro em carteira de trabalho. Em poucos meses, vieram as promoções. Estudando e trabalhando, Breno ainda arranjava tempo e motivação para fazer caminhada; estava determinado a emagrecer e assim foi.
Mesmo com os progressos alcançados, Breno sempre relatava seus anseios e seus medos, até mesmo porque estava vivendo de forma diferente: pais presentes, estudo, trabalho, abstinência de drogas, novas escolhas e novos amigos. Ao seu primeiro convite para fazer um roubo, conseguiu dizer “não”, superando suas próprias expectativas.
Em 2009, perto do Natal, Breno solicitou que eu o acompanhasse ao supermercado, pois queria fazer uma compra para doação. Ele disse que, ao conhecer, por acaso, uma casa de recuperação para dependentes químicos em Foz do Iguaçu, ficou comovido ao saber que os internos não tinham família e não teriam ceia de Natal. Afirmando conhecer a tristeza de passar um Natal com fome e sem família, gostaria de oferecer ajuda. Fomos ao mercado e Breno gastou mais da metade de seu salário com doces, bolachas, salames e refrigerantes. Ao fazer a doação, a alegria e o orgulho de Breno eram notórios, o que nos mostrou que, além de ter aprendido novos valores, também soube ensinar lições de cidadania e solidariedade.
O terceiro desejo, o da moto, não foi deixado para trás. Depois de completar 18 anos, Breno foi para a autoescola. Apesar de duas reprovações nos testes do DETRAN, não desistiu. Carteira de motorista em mãos e dinheiro poupado, Breno comprou uma moto, que ficou guardada na própria loja até alcançar sua liberação da semiliberdade.
Em 2010, ao final do cumprimento da medida, Breno pediu demissão para retornar a sua cidade. No entanto, recebeu uma proposta de transferência para uma filial do restaurante, o que permitiu que ele continuasse trabalhando no shopping de seu município.
Em 2011, no último contato telefônico que tivemos, Breno tinha terminado o ensino fundamental, estava trabalhando em dois restaurantes, já havia sido reconhecido como melhor funcionário do mês e tinha recebido convites para trabalhar em outros locais.
Sobre aquela ideia inicial do “negro, pobre, preso e gordo”, ela não existe mais. Breno não tinha uma lâmpada do Aladim, mas tinha um ECA a seu favor.