Em comemoração aos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente
Em 1961, Chico Buarque já publicava crônicas no jornal de sua escola. Sua primeira aparição na imprensa, no entanto, naquele mesmo ano, deveu-se a outro tipo de arte: o “menor” “F. B. H.” e um amigo estrelaram matéria do jornal Última Hora sobre dois “pivetes” presos pela polícia. Chico narra a história no documentário abaixo (14min45s – 17min20s):
Os dois “jovens transviados” furtavam carros para dar seus rolezinhos por São Paulo. Rodavam até acabar a gasolina, então abandonavam o veículo pela cidade. Até que, uma noite, foram pegos. Apanharam bastante da polícia, “apesar da cara da gente”, diz Chico – cara de adolescentes da elite paulistana e socialmente reconhecidos como brancos, subentende-se. Ao final, Chico foi punido com a proibição de sair de casa à noite desacompanhado de responsáveis até completar 18 anos de idade (faltavam cerca de seis meses).
O juiz – e talvez até, antes dele, o delegado – certamente levou em conta a natureza do ato, que pode ter sido corretamente enquadrado como “furto de uso” e, em consequência, desqualificado como crime, por não se configurar a vontade de tomar a coisa para si com ânimo definitivo, necessária à configuração do tipo penal de furto. Além disso, deve ter considerado fundamental que “F. B. H.” era um adolescente que não merecia mofar em uma cadeia ou instituição de internamento de “menores” devido a uma brincadeira de mau gosto. Haveria outras formas, mais justas e eficazes, de educá-lo para não repetir aquela conduta.
Que ótimo que foi esse o desfecho do caso – lamentável e inadmissível, óbvio, a violência da polícia. Menos de dois anos depois, em 1963, Chico iniciou o curso de Arquitetura na USP; em 1964, vieram os primeiros shows e a primeira canção gravada – a carreira explodiria no Festival de 1966. Já pensou se a vida daquele jovem tivesse sido interrompida, naquele momento decisivo, por um período de encarceramento? Será que ele teria conseguido as mesmas ou outras oportunidades para se realizar profissionalmente em sua vocação de artista?
Acontece que não só a família de Chico, mas o Estado e a sociedade brasileira tinham um projeto para ele, assim como para cada jovem das nossas classes privilegiadas. O país está montado para esses jovens “darem certo”. Quando cometem “deslizes”, “erros”, “desvios”, têm direito a novas oportunidades.
E se Chico Buarque não fosse filho de um eminente intelectual e professor da USP? Se não integrasse aquela pequena classe de brasileiros/as que gozamos do direito à cidadania efetiva? Se fosse um desses jovens pretos e pobres da periferia tratados como criminosos por darem rolezinhos em Shoppings, hoje em dia, sem cometerem qualquer tipo de crime ou contravenção?
Para estes, as vítimas tratadas como “classes perigosas”, o Brasil tem outro projeto: “E o que eles querem: mais um ‘pretinho’ na Febem”, cantam os Racionais Mc’s. Pra eles, não tem nem segunda nem primeira oportunidade, não tem aposta na educação; tem prisão, internação, repressão. Justiça como restauração? Vingança e escravidão.
Enquanto isso, a Pátria Educadora, distraída pela ameaça da redução da maioridade penal, foi subtraída ontem em mais uma tenebrosa transação. O Senado aprovou Projeto de José Serra, com apoio do governo Dilma, que desfigura o Estatuto da Criança e do Adolescente, aumentando de três para dez anos o tempo máximo de medidas socioeducativas de internação.
PS: faz alguns meses, usaram o episódio “juventude transviada” de Chico Buarque para alegar que ele é contra a redução da maioridade penal porque seria um “bandido” desde a adolescência (!). A boçalidade não tem limites e convida sempre à perseguição, jamais à reflexão.
Fonte: http://brasilem5.org/
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